Sobre a busca

Quando a angustia fecha a garganta,
eu jogo no Google, atrás de um alento:
como agir no desespero / tédio tem cura / como esquecer o abandono / remédios naturais para curar tristeza
Em uma das três páginas iniciais,
quase acho a solução.

Mas tenho
que voltar a trabalhar.

Sobre borrões

Desde pequena eu escrevo desse jeito esquisito, apoiando médio, indicador e anelar na caneta, de modo que todo o resto da mão vai se arrastando pelo papel. Isso se configura em uma grande dificuldade quando me deparo com uma tinta muito fluída, ou um papel pouco absorvente: quando pulo num capricho para a próxima linha, vou deixando um grande borrão nas letras de antes. 

E isso diz muito sobre mim.

Sobre a estação Jaguaré

no trem lotado que vem
no trem lotado
que parte
Já não tem espaço em mim
pra arte

(hoje pisotearam meu Leminski)

sobre frestas

vocês ajudaram a subir as paredes
dessa casa que criei pra morar.
(não há janelas)

O que entra
não vai sair
e estou ficando cheia:

o poema é só essa frestinha,
por onde se pode espiar.

Sobre o ciclo

O ventre já se retorce:
amanhã expelirá em sangue,
mais uma vida negada.

("a morte é um estado em que só os outros ficam")

sobre as dores as delícias vividas no apartamento 62 do edifício Magnólia

Eu gosto é de encostar os sorrisos.
Cócega
com as pontas dos dedos.
Pé com pé fazendo carinho,
esquentando.
Deitar ao contrário na cama.
O pensamento,
que vaza em sussurros.
Cigarrinho dividido,
luzes que passam no teto
e abraço na cintura à janela
da Consolação.

sobre os vestígios

Meu pai é palhaço
e gosta de filme pornô.
Um vez encontrei embaixo da cama
os vestígios:
encaracolados fios de plástico
cor de fogo.
Nunca se falou sobre esses ofícios.
Era quase sempre rude e sério
como seus ternos azul-marinho.
O tom de voz elevado:
brigava. Batia.
Nos obedecíamos sempre: eu, porque tinha medo.
Mas sabia:
as meias de bolinhas amarelas
escondidas no fundo da gaveta.
Os sons que vinham do quarto
quando eu não conseguia dormir.
O babado roxo escapando
do bolso da calça velha
esquecida no varal.
Os vestígios,
(muito mais do que o terno sério azul)
esses,
eram meu pai.