sobre neblinas

Tudo o que via eram grandes borrões de cor. Esmaecidos pela fumaça cinza da cidade, mas com uma enorme variedade de tons. Rostos não reconhecia. Placas, não podia seguir. Fora uma escolha irredutível abandonar a máscara que eram os óculos. Andava pela São Paulo quase cega, e cada objeto era novo sob sua vista embaçada: nas tardes quentes, quando saia com um de seus vestidos curtos e leves de sol, imaginava todos os olhos e sorrisos voltados para ela. Na viagem diária de ônibus sentava à janela para ver o centro: lá fora passavam os arranha-céus estendendo seus dedos de antenas para encostar-se às nuvens. Os carros com seus rostos cômicos, os olhos de lanterna. Os bueiros, grandes caixas de segredos. Um homem dormia no chão com os cabelos adornados por flores. Uma revoada de pombas! Chuva de confetes gris. As árvores, chapéus de gigantes. Um cão vadio abriu um sorriso com a língua rosada de fora. O chão habitado pela mais diversa variedade de animais coloridos de lixo.

Os sons da cidade também eram outros com o abandono das lentes: pássaros, buzinas, latidos e vozes – tudo compunha a sinfonia. Prestava atenção na conversa das pessoas que viajavam ao lado. Uma freada brusca no ônibus era uma intervenção – momento tenso no diálogo. A campainha de sinal para descer era cômica. O ranger da catraca. As portas se abrindo e fechando. Uma batida! O grande clímax.

Saltava do ônibus na Avenida Paulista. Os homens de terno pinguins de ombros largos, transpirando com o calor. As mulheres artistas de circo com as maquiagens exageradas, desengonçadas sobre os saltos finos. Motoboys passavam correndo: crianças com suas bolas de ar de capacetes. De vez em quando cruzava ali com os olhos dele: sempre aparecia no rosto de um garoto magro de cabelos loiros despenteados. E sua mãe era cada senhora gorda com lenço na cabeça. Ainda que não fosse a sua, valia sentir por um instante o coração acelerado de espanto e alegria. (Assim quase não sentia saudade).

O pôr-do-sol era o maior dos espetáculos: todos os borrões ganhavam um laranja-dourado, cor preferida, o sabor que vinha com ela. O ar pesava na medida certa.

Mas é claro que havia também os dias cinzas, como em todo o mundo. Era quando andava pelas ruas com as roupas pesadas e os olhos de lágrimas inundando as ruas da cidade. Os sons abafavam. Os borrões perdiam a variedade de tons. Nesses dias não havia pôr-do-sol. Mas nem isso a fazia triste: com a cabeça baixa, a caminhada sobre o duro e escuro asfalto era então um voo sobre um bonito chão de neblina.