sobre cartas que nunca vou mandar

Quando nos conhecemos, você reparou nos meus olhos tristes. Acho que você foi o único que enxergou o que havia ali. Você percebeu antes de mim. Eu sei que você teve medo, todo esse tempo, de mergulhar no meu abismo. Deu um mergulho fundo, depois recuou, foi com calma, molhou os pés, quis abandonar a maresia. Mas eu sei que você enxergou o que havia ali. Eu sei porque você me disse. Eu sei porque eu te vi mergulhar. Você fez com que eu visse em mim algo que eu não sabia que existia. Foi por você, mesmo que por esses caminhos tortos, que hoje eu consigo ver no espelho meus olhos tristes, e achá-los bonitos. Você foi o primeiro a achá-los bonitos. Os verdadeiros olhos, não os que os outros viam. E mesmo que você tenha medo, e mesmo que você queira ir embora, eu não posso chorar: você me trouxe coisas tão lindas, sentimentos tão sinceros, uma consciência tão nova, que eu só te devo sorrisos, por baixo dos meus olhos tristes.

sobre a timidez

Nunca sei o que dizer-te
e o poema vai morrendo, antes de nascer.

sobre nós: os condenados

só é possível viver sabendo da Morte
só é possível amar sabendo do Fim

sobre o medo de ser junto

...e quando enfim me descubro só,
tendo tudo
tendo tanto
sendo tanto
estando livre,
surge um sorriso que me aprisiona...

sobre a invasão


sobre a empatia

O encaixe. Sorrisos sussurrados
no ouvido. Vontade de saber
mais, sabendo que não é necessário saber
mais nada. O toque preciso,
a vontade cansada de amar. A dor magnífica
de ser quem somos. Vertigem, sono,
carinho repartido. Cumplicidade inabalável
de estranhos. Beijo leve.
O corajoso encontro
dos olhos. Nossa transparência
tímida, as palavras sutis
das mãos dadas. Beleza imperfeita
dos corpos
na luz baixa. A grande avenida
em paz inquietante: alegria do encontro.
O segredo despejado
aos poucos no encontro da língua.
O vazio preenchido
no silêncio. Pensamento. A graça
dos movimentos. O peito saciado de
desconfortos.
A descoberta de algo que é
nosso.
Denso, terno, intenso, secreto:
só nosso.

sobre a posse

E de vez em quando eu sinto essa vontade de me doar:
de caminhar junto, de experimentar ver a vida pelos olhos de outro.

Mas, pela frente, encontro seres lançando-se atrapalhados em cima do amor que tenho,
querendo de mim, como de tudo, cada pequenina parte.

Só amor não satisfaz.
Querem cobrar e julgar
Querem dúvidas e decisões.
Jogam de volta responsabilidades.
Querem mais, querem muito, querem de novo.
Querem pra sempre.

Se não, é pouco.



(e, assim, talvez nós nunca tenhamos sabido realmente,
que é do Amor?)

sobre a vaidade

precisava ouvir que era bonita.
E, assim, ainda que não pudesse amá-lo,
já não podia viver sem ele.

sobre crescer

Enquanto as outras crianças só choravam quando ralavam os joelhos, cortavam o pé,
doía no corpo,

eu, de repente, comecei a chorar por nada.

Chorava baixinho, escondida, com vergonha das lágrimas.
Pedaços de mim querendo fugir nos soluços.
Um soluço duro, machucando por dentro o peito e a garganta.

Meu pai, certa vez, ao me ver chorar assim,
com a mão na minha cabeça me consolou dizendo:
- crescer dói.

E então eu entendi:
eu estava crescendo
e aprendendo a chorar de tristeza.

sobre a perda

porque perder o chão
é a melhor oportunidade de aprender a voar

sobre a solidão

Eu gosto de ser sozinha. De ser eu só: simples, sem ninguém pra completar.
Ser sozinho é ser livre: é poder ficar e poder partir, sem qualquer explicação. Nunca tem explicação.
Quando a gente é junto e tem que explicar, inventa.
Ser sozinho é poder ser verdade. É ser sem ninguém olhar. Ser sem ninguém medir. Ser sem ninguém julgar. É ser-sentir, quase sem palavras:

Só.
Assim curtinho.

Um sopro.
Leve.
Liso.
Livre.

(mas que liberdade triste)